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sábado, 27 de maio de 2006

Utilização de agrotóxicos

A utilização de produtos visando ao combate de pragas e doenças presentes na agricultura não é recente. Civilizações antigas usavam enxofre, arsênico e calcário, que destruíam plantações e alimentos armazenados. Também eram utilizadas substâncias orgânicas, como a nicotina extraída do fumo e do pyrethrum (Garcia, 1996; Meirelles, 1996). O intenso desenvolvimento da indústria química a partir da Revolução Industrial determinou o incremento na pesquisa e produção dos produtos agrotóxicos. Sua produção em escala industrial teve início em 1930, intensificando-se a partir de 1940 (Meirelles, 1996). Os termos pesticidas, praguicidas, biocidas, fitossanitários, agrotóxicos, defensivos agrícolas, venenos, remédios expressam as várias denominações dadas a um mesmo grupo de substâncias químicas. Neste trabalho o termo adotado será "agrotóxico", definido segundo o decreto nº 4.074, de 4 de janeiro de 2002, que regulamentou a lei nº 7.802/1989, como: produtos e agentes de processos físicos, químicos ou biológicos, destinados ao uso nos setores de produção, no armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens, na proteção de florestas, nativas ou plantadas, e de outros ecossistemas e de ambientes urbanos, hídricos e industriais, cuja finalidade seja alterar a composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação danosa de seres vivos considerados nocivos, bem como as substâncias de produtos empregados como desfolhantes, dessecantes, estimuladores e inibidores de crescimento.Nos diversos trabalhos de campo realizados pelo Gestru tem sido observado que os trabalhadores se referem a estes produtos como remédios, venenos ou agrotóxicos (Novato-Silva et al. 1999; Silva et al., 1999; Silva, 2000). A entrada dos agrotóxicos no Brasil a partir da década de 1960 colocou-os definitivamente no cotidiano dos trabalhadores rurais, aumentando, assim, os riscos de adoecer e morrer, aos quais já estavam expostos. Todavia, é a partir de 1975, com o Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), que cuidou da abertura do Brasil ao comércio internacional desses produtos, que ocorrerá um verdadeiro boom na utilização de agrotóxicos no trabalho rural. Nos termos do PND, o agricultor estava obrigado a comprar tais produtos para obter recursos do crédito rural. Em cada financiamento requerido, era obrigatoriamente incluída uma cota definida de agrotóxicos (Garcia, 1996; Meirelles, 1996; Sayad, 1984) e essa obrigatoriedade, somada à propaganda dos fabricantes, determinou o enorme incremento e disseminação da utilização dos agrotóxicos no Brasil (Garcia, 1996; Meirelles, 1996). Aquela política de crédito integrou o movimento conhecido como Revolução Verde, iniciado nos Estados Unidos da América com o objetivo de aumentar a produtividade agrícola a partir do incremento da utilização de agroquímicos, da expansão das fronteiras agrícolas e do aumento da mecanização da produção.No Brasil, a Revolução Verde se deu através do aumento da importação de produtos químicos, da instalação de indústrias produtoras e formuladoras de agrotóxicos e do estímulo do governo, através do crédito rural, para o consumo de agrotóxicos e fertilizantes (Meirelles, 1996).As agências e programas de extensão rural (Abicar, depois Emater) tiveram também um papel importante na introdução, disseminação e consolidação destes novos modos de produção, de saberes e de tecnologias rurais, dentre estas o uso de agrotóxicos (Pinheiro S et al., 1985).Atualmente existem no mundo cerca de 20 grandes indústrias com um volume de vendas da ordem de 20 bilhões de dólares por ano e uma produção de 2,5 milhões de toneladas de agrotóxicos, sendo 39% de herbicidas, 33% de inseticidas, 22% de fungicidas e 6% de outros grupos químicos. No Brasil, o volume de vendas é de 2,5 bilhões de dólares por ano, com uma produção de 250 mil toneladas de agrotóxicos (Sindag, 2005).De acordo com o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para a Defesa Agrícola (Sindag), em 2001, o Brasil foi o oitavo país consumidor destes produtos, com 3,2 kg/ha de agrotóxicos. À sua frente estavam a Holanda, Bélgica, Itália, Grécia, Alemanha, França e Reino Unido. Ainda de acordo com o Sindag, em 2003, existiam no Brasil 648 produtos em linha de comercialização, sendo 34,4% de inseticidas, 30,8% de herbicidas, 22,8% de fungicidas, 4,9% de acaricidas e 7,1% de outros grupos químicos. Quanto à regulamentação para a utilização destes produtos, o decreto nº 4.074, de 4 de janeiro de 2002 e que regulamentou a lei nº 7.802, de 11 de julho de 1989, dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins. Além deste decreto, existe ainda a Norma Regulamentadora 31(NR31) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que trata da "Segurança e Saúde no Trabalho na Agricultura, Pecuária, Silvicultura, Exploração Florestal e Aqüicultura". Entre outros aspectos, esta NR regulamenta o uso dos agrotóxicos, adjuvantes e afins. A partir desta norma, caberia ao MTE fiscalizar os ambientes e as condições de uso destes produtos. Todavia, na prática cotidiana são reconhecidas a cobertura apenas parcial do universo de trabalhadores rurais, as limitações metodológicas, materiais e de pessoal que culminam com uma baixa eficácia das ações fiscalizatórias do MTE (Araújo et al., 2000). Os agrotóxicos são um dos mais importantes fatores de riscos para a saúde humana. Utilizados em grande escala por vários setores produtivos e mais intensamente pelo setor agropecuário, têm sido objeto de vários tipos de estudos, tanto pelos danos que provocam à saúde das populações humanas, e dos trabalhadores de modo particular, como pelos danos ao meio ambiente e pelo aparecimento de resistência em organismos-alvo (pragas e vetores) nas empresas onde haja trabalhadores em regime celetista. Na agricultura são amplamente utilizados nos sistemas de monocultivo em grandes extensões. As lavouras que mais os utilizam são as de soja, cana-de-açúcar, milho, café, cítricos, arroz irrigado e algodão. Também as culturas menos expressivas por área plantada, tais como fumo, uva, morango, batata, tomate e outras espécies hortícolas e frutícolas empregam grandes quantidades de agrotóxicos (OIT, 2001; Brasil, 1997). Essas substâncias são ainda utilizadas na construção e manutenção de estradas, tratamento de madeiras para construção, armazenamento de grãos e sementes, produção de flores, combate às endemias e epidemias, como domissanitários etc. Enfim, os usos dos agrotóxicos excedem em muito aquilo que comumente se reconhece.As principais exposições a estes produtos ocorrem nos setores agropecuário, saúde pública, firmas desinsetizadoras, transporte, comercialização e produção de agrotóxicos. Além da exposição ocupacional, a contaminação alimentar e ambiental coloca em risco de intoxicação outros grupos populacionais. Merecem destaque as famílias dos agricultores, a população circunvizinha a uma unidade produtiva e a população em geral, que se alimenta do que é produzido no campo.Portanto, pode-se afirmar que os efeitos dos agrotóxicos sobre a saúde não dizem respeito apenas aos trabalhadores expostos, mas à população em geral. Como diz Berlinguer, apropriadamente, a unidade produtiva não afeta apenas o trabalhador, mas contagia o meio ambiente e repercute sobre o conjunto social (Chediack, 1986).Contemporaneamente, observa-se um intenso e caloroso debate em torno da questão dos agrotóxicos. Compondo este cenário, têm-se de um lado as empresas produtoras e, de outro lado, as representações de trabalhadores e da população em geral normalmente representada pelas Organizações não Governamentais – ONG’s. Neste campo, confrontam-se interesses diferenciados envolvendo fatores econômicos, sociais, ideológicos e culturais.Diversos estudos têm demonstrado grande variabilidade de danos dos agrotóxicos sobre a saúde humana e sobre o meio ambiente, assim como diferenças na gravidade e magnitude desses danos (Alavanja et al., 2004; Colosso et al., 2003; Grisolia, 2005; Kamanyire & Karalliedde, 2004; Novato-Silva E et al. 1999; Peres et al., 2003; Peres et al., 2001; Santos, 2003; Silva et al., 2004). O conhecimento advindo de tais estudos tem subsidiado um importante movimento social, tanto no Brasil como em outros países, liderado por ambientalistas e ecologistas cuja tônica gira em torno da contestação do modo de desenvolvimento da agricultura. Esse movimento, que apresenta a proposta da agroecologia como alternativa às práticas instituídas, é centrado numa outra forma de desenvolvimento agrícola e rural (Almeida, 1998). Entretanto, no embate entre a alternativa agroecológica e a fórmula que privilegia a utilização de agrotóxicos no combate a pragas e doenças, em que pesem algumas experiências bastante positivas em favor da primeira, a prática instituída de uso dessas substâncias, associada aos interesses de um mercado biliardário, têm falado mais alto.Agrotóxicos e danos à saúde Os paradigmas teóricos e científicos que têm norteado a maioria dos estudos e pesquisas sobre a relação saúde, doença e trabalho em geral, e sobre os danos à saúde causados pelos agrotóxicos no trabalho em particular, não trazem para seu cerne a concepção dialética do trabalho, negando assim (...) a noção do trabalho como atividade humana básica e que assume formas específicas como expressão das relações sociais, sob as quais se realiza (Laurell & Noriega, 1989). A partir desse olhar, os danos à saúde causados pelo trabalho são compreendidos como simples expressões sobre os corpos dos trabalhadores de determinados riscos presentes nos ambientes de trabalho. Ou seja, há uma redução naturalista e biologicista da idéia de risco e dano, na medida em que não se considera seu caráter histórico e social.Em certa medida, pode-se dizer que a realidade cotidiana de trabalho observada na agricultura, especificamente no que se refere à utilização de agrotóxicos, expressa as políticas governamentais historicamente adotadas para o setor, particularmente no que se refere à forma como esta tecnologia foi introduzida no campo. Ou seja, as condições concretas e atuais de utilização dos agrotóxicos pelos trabalhadores rurais encontram suas raízes e seu pleno desenvolvimento alicerçados naquela política. Isto importa na medida em que modificações eficazes e eficientes naquele cotidiano passam, necessariamente, por mudanças na atuação do Estado brasileiro no que se refere ao seu conceito e à sua prática de desenvolvimento agrícola e rural.Assim, o processo de produção e as políticas de desenvolvimento do setor devem se constituir em eixo norteador dos estudos e análises desta questão. É desse ângulo que entendemos ser possível uma melhor compreensão das formas de utilização e exposição aos agrotóxicos pelo trabalhador rural, bem como dos problemas de saúde decorrentes do contato com tais produtos.Nesta linha, além dos aspectos ligados à saúde e ao meio ambiente, busca-se apreender o processo de produção e o processo de trabalho presentes na agricultura, observando, entre outros aspectos, condições e relações de trabalho, a incorporação e utilização de tecnologias, as exigências de produtividade, as políticas de comercialização dos produtos agrícolas, os métodos utilizados para controle de pragas e doenças, o nível de informação e capacitação em relação ao uso de agrotóxicos e a adoção de estratégias visando reduzir sua utilização e exposição. Isto possibilita o estabelecimento de correlações entre as atividades exercidas pelos trabalhadores e possíveis efeitos à sua saúde provocados pela exposição aos agrotóxicos presentes no trabalho a partir da caracterização da exposição em situação real de trabalho num dado contexto social, econômico e cultural.A diversidade das situações de trabalho pode modificar consideravelmente o risco, uma vez que os métodos de aplicação, as modalidades do uso dos biocidas, as formas de organização do trabalho, os tipos de cultivo, as condições climáticas, são muito diversas (Sznelwar, 1993).Em relação, especificamente, ao processo de investigação e avaliação da exposição ocupacional a agrotóxicos defendemos que esta deve ser conduzida à luz do processo de produção e, portanto, centrada nas características do processo de trabalho, da organização do trabalho e das estratégias de uso destes produtos. Esta concepção difere das abordagens tradicionais que privilegiam o desenvolvimento da análise de risco numa perspectiva de externalidade em relação ao processo de trabalho. Tal abordagem desconsidera a dinamicidade do processo de trabalho e, conseqüentemente, as formas como os riscos/fatores de risco acontecem nas situações reais de trabalho.Assim, os autores propõem que as condições de exposição aos agrotóxicos vivenciadas no interior das atividades de trabalho pelos agricultores devam ser investigadas considerando: • O processo de trabalho: tipo de cultura existente, os agrotóxicos utilizados, a freqüência de uso, a duração da exposição, a data do último contato, o equipamento utilizado para a pulverização e as medidas de prevenção adotadas, além da diversidade das atividades realizadas e as possibilidades de exposição aos agrotóxicos geradas a partir dessas;• A organização do trabalho: tipo e características das relações de trabalho, a existência de trabalho familiar, a divisão de tarefas, a jornada de trabalho e a organização temporal do trabalho;• As estratégias de utilização dos agrotóxicos: procurar informações sobre o que, quando, como, por que, onde, com que freqüência, intensidade e com que tipo de orientação ocorre essa utilização, em relação aos ciclos de produção;• A adoção de estratégias que possam reduzir a exposição aos produtos em questão: conhecer a indicação, escolha, armazenamento, preparação e aplicação dos produtos, utilização de equipamento de proteção individual, os procedimentos de lavagem dos equipamentos de aplicação dos agrotóxicos e a destinação que se dá às embalagens e aos restos das caldas;• A percepção de risco do trabalhador e as estratégias que ele adota de proteção à saúde e ao meio ambiente;• A classificação dos agrotóxicos: conhecer a classificação é importante já que ela fornece, ainda que parcialmente, informações sobre o potencial tóxico do produto. Parcialmente, porque as condições reais de uso, entre outros aspectos, podem modificar a toxicidade de cada um deles. Ressalte-se, que todo agrotóxico é classificado pelo menos quanto a três aspectos: quanto aos tipos de organismos que controlam, quanto à toxicidade da(s) substância(s) e quanto ao grupo químico ao qual pertencem.No Brasil, de acordo com o Sindag, em 2003, 19,0% dos produtos em linha de comercialização eram classe toxicológica I (extremamente tóxico), 25,8% classe II (altamente tóxico), 32,0% classe III (moderadamente tóxico) e 23,2% classe IV (levemente tóxico).

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